sábado, 5 de abril de 2008

As Horas

Pensa, de súbito, no beijo de Vanessa.
O beijo foi inocente- suficientemente inocente -, mas também cheio de qualquer coisa que não é diferente do que Virginia quer de Londres, da vida; foi um beijo cheio de amor complexo e voraz, antigo, nem isto nem aquilo. Servirá como a revelação, desta tarde, do próprio mistério fundamental, da luminosidade que, quando acordamos, está já a desvanecer-se da nossa mente e nos faz levantar com a esperança de a encontrarmos, talvez hoje, neste novo dia em que tudo pode acontecer, absolutamente tudo.
Ela, Virginia, beijou a sua irmã, não com a inteira inocência, por trás das costas largas e mal-humoradas de Nelly, e agora está numa sala com um livro no colo. É uma mulher que se vai mudar para Londres.
Clarissa Dalloway terá amado uma mulher, sim; amou outra mulher quando era jovem. Ela e essa mulher terão dado um beijo, um beijo, como os singulares beijos encantados das histórias de fadas, e Clarissa guardará a recordação desse beijo, a sua sublime essperança, durante toda a vida. Nunca encontrará um amor como aquele que o único beijo pareceu oferecer.

Michael Cunningham


O meu livro favorito, o meu filme favorito...

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